segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Oftalmoplegia internuclear: um sinal neurológico discreto e informativo *


    A oftalmoplegia internuclear (OIN) é um sinal neurológico específico, que envolve o olhar conjugado horizontal, caracterizado por fraqueza da adução do olho afetado e nistagmo horizontal em abdução do olho contralateral. Seu substrato neuroanatômico é a lesão de estrutura localizada no tegmento dorsomedial pontomesencefálico, denominada fascículo longitudinal medial. É uma via interneuronal que coordena, conjuntamente com a formação reticular pontina paramediana, os núcleos dos nervos III, IV e VI.  É um sinal comumente associado, em jovens, à esclerose múltipla (34-42%) e, em idosos, a acidentes vasculares encefálicos lacunares do tronco encefálico (38-41%). É achado, menos frequentemente (9-13%), em: tumores do tronco, infecções do SNC e trauma crânio-encefálico.
    A figura abaixo representa a circuitaria cerebral/central que comanda o olhar conjugado horizontal. É uma adaptação feita por mim do artigo de Frohman et al (1).



História da descrição do sinal


    A primeira descrição do núcleo do VI como centro de movimentação ocular conjugada foi feita pelo neurologista Achille-Louis Foville, em 1859, ocasião em que também postulou a coordenação do olhar conjugado horizonta por uma via cruzada ponto-mesencefálica. Somente no século seguinte, em 1921, Jean Lhermitte (1877-1959) confeccionou o termo oftalmoplegia internuclear. Em 1924, Spiller publicou o primeiro caso anatomo-clínico, no qual reconheceu apenas 8 descrições anteriores de OIN. Na década de 50, o oftalmologista David Glendenning Cogan (1908-1993), da Universidade de Harvard, descreveu uma série de 08 casos, com 01 estudo anatomo-patológico. Esse pesquisador acumularia uma série de cerca de 200 casos até 1970 e é o responsável pela descrição dos detalhes semiológicos da síndrome, classificando a OIN em anterior e posterior, conforme comprometimento ou não da convergência ocular.
       Abaixo é possível ver uma linha do tempo relacionando esses marcos históricos da descrição do sinal.






Para aprender mais sobre o assunto, recomendo os seguintes artigos:





* este trabalho foi apresentado na XII Jornada do Hospital Universitário de Brasília, sob a forma de poster.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Critérios de Duke para diagnóstico de endocardite infecciosa



Descrevo aqui os critérios de Duke modificados para endocardite infecciosa, que tem 95% de especificidade e valor preditivo negativo de 92%. 
Também posto link para diretriz da American Heart Association para o tratamento da endocardite, conforme agente etiológico.

Diretriz da American Heart Association: 

CRITÉRIOS DE DUKE MODIFICADOS PARA O DIAGNÓSTICO DE ENDOCARDITE INFECCIOSA (EI)

São necessários para o diagnóstico:

a) 2 critérios maiores ou
b) 1 critério maior e 3 menores ou
c) 5 critérios menores

Critérios maiores

1. Isolamento dos agentes típicos de EI em duas hemoculturas distintas, sem foco primário:
Streptococcus viridans, Streptococcus bovis, grupo HACEK, Staphylococcus aureus ou bacteremia por enterococo adquirido na comunidade;

2. Microorganismo compatível com EI isolado em hemoculturas persistentemente positivas;

3. Única cultura ou sorologia positiva (IgG > 1:800) para Coxiella burnetii  

4. Nova regurgitação valvar (Aparecimento de sopro ou mudança de sopro pré-existente não é suficiente);

5. Ecocardiograma com evidências de endocardite (há 3 possíveis achados ecocardiográficos: massa intracardíaca oscilante ecogênica em sítio de lesão endocárdica, abscesso perivalvar e nova deiscência em valva prostética)


Critérios menores

1. Fator predisponente para EI (uso de drogas injetáveis ou doença cardiovascular predisponente - lista abaixo)
2. Febre > 38 graus C
3. Fenômenos vasculares (exceto petéquias e outras hemorragias)
4. Fenômenos imunológicos (presença de fator reumatóide, glomerulonefrite, nódulo de Osler ou manchas de Roth)
5. Hemocultura positiva que não preencha critérios maiores ou evidência sorológica de infecção ativa (exclui-se hemocultura única positiva para estafilococo coagulase-negativo ou para microorganismo que raramente cause endocardite)


Condições cardiovasculares de risco para endocardite:

ALTO RISCO: 
Valvas protéticas
Endocardite bacteriana prévia
Doença congenita cianótica
Shunts Sistêmico-pulmonares construídos cirurgicamente (Ex: Blalock-Taussig - correção de Tetralogia de Fallot)
Ducto arterioso patente
Regurgitação Aórtica
Estenose Aórtica
Regurgitação Mitral
Dupla lesão mitral
Comunicações interventriculares
Coarctação da aorta
Lesões intracardíacas reparadas cirurgicamente, que tenham anormalidade hemodinâmica residual

RISCO INTERMEDIÁRIO

Prolapso da valva Mitral, com regurgitação
Estenose mitral pura
Doença valvar tricuspide
Estenose pulmonar
Hipertrofia Septal assimétrica
Aorta bicuspide ou esclerose com calcificação aórtica, com anormalidades hemodinâmicas mínimas
Doença valvar degenerativa do idoso
Lesão intracardiaca com reparo cirurgico há menos de 6 meses, mesmo sem alterações hemodinamicas residuais.

RISCO BAIXO OU NENHUM

Prolapso da valva Mitral, sem regurgitação
Regurgitação valvar mínima (ex: escape mitral) sem anormalidade estrutural visivel ao ECO
Defeitos do septo atrial isolados (fossa oval)
Doença coronariana
Placas ateroscleróticas
Marca passos e desfibriladores automáticos implantados
Cirurgia de revascularização miocardica prévia
Correção cirúrgica com mais de 6 meses de lesão intra cardiaca, com mínima ou nenhuma alteração hemodinâmica residual.
Passado de Doença de Kawasaki ou Doença Reumática sem comprometimento valvar.

domingo, 13 de setembro de 2009

Correção de distúrbios do sódio - Fórmula de Adrogué-Madias



A Fórmula de Adrogué-Madias é a maneira mais eficiente e segura de se corrigir distúrbios do sódio sérico (disnatremias) em pacientes sintomáticos, determinando boa reprodutibilidade e capacidade de predizer o sódio sérico dosado ao final da infusão. Foi proposta em 1997 por Adrogué HJ e Madias NE, em publicação no periódico Intensive Care Medicine. É amplamente aceita e é considerada uma das maneiras mais fáceis de se calcular com relativa precisão a quantidade de fluido a ser infundido, de acordo com a solução salina escolhida.
Há diversas calculadoras automáticas na internet, para tornar o processo ainda mais fácil:
Referências:

sábado, 12 de setembro de 2009

Brain tutor 3D



Para quem gosta de neurologia, neurocirurgia, neuroanatomia, neurofisiologia, neurorradiologia e áreas afins da neurociência, dou a dica de um fantástico programa para iPhone, mas também para outras plataformas, como Windows, Mac OS X e Linux, chamado Brain Tutor, desenvolvido pela empresa BrainVoyager.
É um programa em que você aprende neuroanatomia por interação com modelos tridimensionais criados a partir de imagens de ressonância nuclear magnética. No programa, o encéfalo pode ser explorado em cortes axiais, sagitais e coronais, em tempo real. Além disso, fornece informações sobre lobos, giros e áreas de Brodmann.
E o download do programa pode ser feito de graça, na App Store!
O site oficial do programa (versão para computadores) pode ser visitado neste link: http://www.brainvoyager.com/products/braintutor.html
Outro site que comenta sobre o assunto pode ser visto aqui: 

Epilepsia na emergência - perguntas e respostas

O que é crise epiléptica, segundo a mais recente definição da International League Against Epilepsy e do International Bureau for Epilepsy?
É a ocorrência transitória de sinais e sintomas devido a uma atividade neuronal anormal excessiva ou sincrônica no cérebro.
Fisher RS, van Emde Boas W, Blume W, Elger C, Genton P, Lee P, Engel J Jr. Epileptic Seizures and Epilepsy: Definitions proposed by the international League Against Epilepsy (ILAE) and the International Bureau for Epilepsy. Epilepsia 2005;46: 470-472.
O que é epilepsia, segundo a mesmas organizações?
É uma desordem cerebral caracterizada pela predisposição duradoura de gerar crises epilépticas e pelas consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais desta condição. A sua definição requer a ocorrência de, pelo menos, uma crise epiléptica.
Fisher RS, van Emde Boas W, Blume W, Elger C, Genton P, Lee P, Engel J Jr. Epileptic Seizures and Epilepsy: Definitions proposed by the international League Against Epilepsy (ILAE) and the International Bureau for Epilepsy. Epilepsia 2005;46: 470-472.
O paciente chega ao pronto-socorro em crise tônico-clônica generalizada. Quais as primeiras medidas a serem tomadas?
- Suporte de vida: vias aéreas, respiração e circulação;
- Acesso venoso: tiamina associada à glicose 50%
- Exame clínico: sinais vitais e glicemia capilar;
- Exame neurológico: nível de consciência (escala de coma de Glasgow), rigidez de nuca, fundo de olho, pesquisa de sinais focais;
- História de uso de medicamentos, drogas ilícitas, sedativos ou álcool;
- Doenças pregressas;
- Exames laboratoriais: hemograma, eletrólitos (Na, Ca, Mg, P), glicemia, função renal, gasometria, creatina quinase, eletrocardiograma;
Fonte: Curso Nacional de Emergências Clínicas 2009 - FMUSP. Aula proferida pelo Dr. Luis Otávio Caboclo


Qual a droga anti-epiléptica de ação rápida de escolha? Qual a dose?
Midazolam ou Diazepam, por via intravenosa, em infusão rápida. A absorção intramuscular dessas drogas é muito lenta, portanto essa via deve ser evitada. O diazepam 10 mg EV tem efeito em 6 minutos. Pode ser repetido, após esse tempo, se não tiver tido eficácia. O benzodiazepínico mais usado mundialmente, porém não disponível no Brasil, é o lorazepam EV. Sua escolha é justificada pelo seu rápido início de ação, em 2 minutos.
O que prediz melhor o risco de recorrência após a primeira crise epiléptica não provocada?
Segundo Hauser et al, em estudo publicado no New England Journal of Medicine, com 244 pacientes com primeira crise epiléptica não provocada, com seguimento por 22 meses, demonstrou que os principais fatores preditores da recorrência de crises são a história de injúria neurológica prévia (34% de recorrência em 20 meses vs 17% no grupo sem tal história) e, entre os casos classificados como primários ou idiopáticos, a presença de espículas-onda generalizadas ao EEG (50% de recorrência em 18 meses) ou aqueles com irmãos com diagnóstico de epilepsia. Idade na primeira crise, sexo, tipo de crise, início em status epilepticus ou anormalidades ao exame neurológico não foram bons preditores de recorrência, nesse estudo.
Hauser WAAnderson VELoewenson RBMcRoberts SM. Seizure recurrence after a first unprovoked seizure. NEJM 1982; 307:522-528.

Como se faz a "hidantalização", ou seja, a dose de ataque da fenitoína venosa no ambiente do pronto-socorro?
Por via endovenosa, na dose de 20 mg/kg, em bomba de infusão, lentamente, a um ritmo de 50 mg/min, com monitorização eletrocardiográfica e da pressão arterial, principalmente em pacientes idosos. Sempre pura ou diluída em solução salina 0,9%. Nunca deve ser diluído em soro glicosado, pois sofre precipitação. Sempre usar em veias calibrosas, pois pode causar flebite e necrose tecidual, se extravasar em um acesso venoso em veia de fino calibre. Nunca deve ser usada a via intramuscular! A infusão da fenitoína em velocidade inadequada pode resultar em hipotensão e arritmia, especialmente em idosos. Tontura, ataxia e diplopia também são efeitos colaterais comuns da dose de ataque.
Qual a definição de Estado de mal epiléptico ou Status epilepticus?
É definido como a existência de uma crise epiléptica prolongada ou uma série de crises epilépticas em um período em que o paciente não recupera ou recupera incompletamente sua consciência. O critério de duração usado para diferenciar  status epilepticus e crise epiléptica ainda é motivo de controvérsia. 
Há um consenso na literatura entre duas definições, baseadas em diferentes durações, conforme o tipo de status e sua potencial gravidade: (i) status epilepticus é definido  como crise epiléptica que dura mais que 30 minutos ou convulsões recorrentes sem recuperação completa da consciência durante um período de 30 minutos; (ii) ao levar-se em conta a sua gravidade, o status epilepticus tônico-clônico tem uma definição específica, com o objetivo de levar a intervenções terapêuticas mais precoces. A definição operacional é: crise convulsiva generalizada, contínua, com duração maior que 5 minutos; ou duas ou mais crises convulsivas durando mais que 5 minutos; ou duas ou mais crises epilépticas com período intercrítico caracterizado por ausência de recuperação do estado de consciência anterior.

Qual o principal fator prognóstico que determina maior ou menor chance de interrupção do status?
A demora em se estabelecer o tratamento. Esta é, portanto, uma emergência médica. Um estado de mal epiléptico refratário pode causar lesões hipóxico-isquêmicas, infartos cerebrais, trombose venosa cerebral, edema cerebral e hipertensão intracraniana - e essas seriam somente as consequências sobre o SNC!
Algoritmo de tratamento rápido do estado de mal epiléptico:
Fonte: Curso Nacional de Emergências Clínicas 2009 - FMUSP. Aula proferida pelo Dr. Luis Otávio Caboclo


Qual droga usar no estado de mal epiléptico refratário, na unidade de terapia intensiva? 
De preferência, com monitorização eletroencelefalográfica, opta-se pelo uso de midazolam, propofol ou pentobarbital. Seriam as drogas mais eficazes para o supressão da atividade de base do EEG. Entretanto, estudos não têm demonstrado evidências de diferenças de mortalidade com essas drogas. O efeito colateral mais comum é hipotensão.

Claassen J, Hirsch LJ, Emerson RG, Mayer SA. Treatment of refractory status epilepticus with pentobarbital, propofol, or midazolam: a systematic review. Epilepsia. 2002 Feb;43(2):146-53

O que é estado de mal epiléptico não-convulsivo?
É uma condição em que há atividade ictal prolongada, resultando em sintomas clínicos não convulsivos.
Pode ser classificado em status parcial simples, parcial complexo ou de ausência (ou ausência de novo).
Outra definição: é um estado de mal epiléptico sem atividade tônico-clônicos e com alteração do estado mental.
Dentro os pacientes com provável estado de mal epiléptico não convulsivo, quais mereceriam um EEG urgente? Como selecioná-los?
Segundo Husain et al, em artigo publicado em 2003 no J Neurol Neurosurg Psychiatry, em que estudou 48 pacientes, as características mais prováveis de diferenciar um estado de mal epiléptico de outros tipos de encefalopatia são: presença de fatores de risco remotos para crise convulsiva, grave comprometimento do estado mental e anormalidades dos movimentos oculares.
Husain AMHorn GJJacobson MP. Non-convulsive status epilepticus: usefulness of clinical features in selecting patients for urgent EEG.  J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2003;74:189-191.

sábado, 5 de setembro de 2009

Fatores de risco para o câncer de endométrio

O conhecimento dos fatores de risco ajuda os médicos a identificarem as mulheres sob risco do câncer endometrióide do tipo 1, o tipo histológico mais comum (80% são do tipo 1 e 20% do tipo 2).
A etiologia desse câncer endometrial parece advir do efeitos do excesso de exposição a estrógenos, seja de fonte endógena ou exógena, na ausência de uma exposição adequada a progestágenos. A exposição exógena pode ser por meio de terapia de reposição hormonal com estrogênio ou uso de tamoxifeno. Já a endógena resulta de obesidade (conversão periférica de precursores adrenais em estrona ou estradiol no tecido adiposo), ciclos anovulatórios (não há ovulação e portanto, não há desenvolvimento do corpo lúteo e, logo, não há a produção de progestágenos) ou tumores secretores de estrogênios.
Na tabela abaixo, veja em quanto cada fator pode influenciar no desenvolvimento de CA de endométrio.


Fatores protetores: 
1) Uso de contraceptivos orais combinados (diminui o risco em 50-80%) ou outros tipos de anticoncepcionais hormonais que incluam progesteronas (ex.: acetato de medroxiprogesterona em depósito ou DIU que libere levonorgestrel);
2) Terapia de reposição hormonal no pós-menopausa (contínua combinada), a longo prazo, com o uso de um progestágeno diário;
3) Tabagismo (risco relativo de 0,71 para tabagistas no momento do estudo e ex-tabagistas), em estudos caso-controle e metanálises. Haveria um suposto aumento no metabolismo hepático de estrógenos. Porém os benefícios são infinitamente menores do que os outros maiores riscos à saúde, como os cânceres de vias aéreas, o infarto agudo do miocárdio, o AVC, a doença pulmonar obstrutiva crônica e etc.

Referência (para saber mais sobre a detecção precoce/screening de câncer):

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Diretrizes 2008 Surviving Sepsis Campaign: manejo da sepse grave e do choque séptico

Descrevo aqui uma tradução resumida das últimas recomendações da Surviving Sepsis Campaign sobre o tratamento da sepse grave, publicadas em 2008 nos periódicos Intensive Care Medicine e Critical Care Medicine.
Atenção: todas as recomendações foram classificadas por um grupo de especialistas em recomendações "fortes" ou "fracas", de acordo com o nível de evidência científica. A classificação do nível de evidência será descrita sempre após cada afirmação/recomendação.

SURVIVING SEPSIS CAMPAIGN - DIRETRIZES 2008

Ressuscitação inicial (primeiras 6 horas)

Recomendações fortes

* Início da ressuscitação imediatamente em pacientes com hipotensão ou lactato sérico elevado (maior que 4 mmol/L); não atrase admissão pendente em CTI (1C);
* Metas precoces de ressuscitação (1C):
    - Pressão venosa central (PVC) entre 8 e 12 mmHg;
    - Pressão arterial média (PAM) maior ou igual a 65 mmHg;
    - Débito urinário maior ou igual a 0,5 mL/kg/h;
    - Saturação venosa central de O2 (veia cava superior) maior ou igual a 70% ou venosa mista maior que 65%;
Recomendações fracas

* Caso a meta de SvcO2 não seja alcançada com as manobras iniciais (2C):
    - considerara aumentar a expansão volêmica;
    - transfundir concentrado de hemácias, com a meta de hematócrito maior que 30%;
    e/ou
   - infusão de dobutamina (dose máxima: 20 mcg/kg/min);
   - um alvo de PVC maior (entre 12 e 15 mmHg) é recomendado na presença de ventilação mecânica ou complacência ventricular diminuída prévia;
Diagnóstico

Recomendações fortes

* Obtenha culturas apropriadas antes do início da antibioticoterapia, se esse ato não atrasar significativamente o início da administração do antibiótico (1C);
  - colha duas ou mais hemoculturas;
  - uma ou mais hemoculturas devem ser percutâneas;
  - uma de cada dispositivo de acesso venoso inserida há mais de 48 horas;
  - faça cultura de outros sítios, conforme indicação clínica;
* Obtenha também os estudos de imagem pertinentes à confirmação da suspeita clínica ou obtenha outro tipo de amostra do sítio infeccioso, contanto que tais procedimentos sejam seguros (1C).
Antibioticoterapia

Recomendações fortes

* Inicie antimicrobianos venosos o mais precocemente possível, sempre durante a primeira hora do reconhecimento da sepse grave (1D) e do choque séptico (1B).
* Amplo espectro: um ou mais agentes contra as bactérias ou fungos mais prováveis em com boa penetração tecidual na fonte infecciosa presumida (1B); 
* Reavalie o esquema antimicrobiano diariamente, com o objetivo de otimimar a eficácia, prevenir a resistência bacteriana, evitar a toxicidade e minimizar os custos (1C);
* A duração da terapia tipicamente é limitada a 7 a 10 dias; use por mais tempo se houver resposta lenta, sítio de infecção não acessível cirurgicamente ou imunodeficiências (1D);
* Interrompa a antibioticoterapia, se a causa da síndrome for determinada como não infecciosa (1D);
Recomendações fracas

* Considere associar antimicrobianos nas infecções por Pseudomonas aeruginosa (2D);
* Considere terapia empírica combinada em pacientes neutropênicos (2D);
* Não use terapia combinada por mais de 3 a 5 dias, faça a diminuição do espectro após a informação sobre as susceptibilidades do microorganismo (2D);
Identificação da fonte e controle

Recomendações fortes

* Um sítio anatômico específico responsável pela infecção deve ser identificado o mais precocemente possível (1C), dentro das primeiras 6 horas da apresentação (1D);
* Faça uma avaliação formal do paciente para foco de infecção susceptível a medidas de controle local (ex.: drenagem de abscessos ou debridamento de tecido) (1C);
* Realize tais medidas de controle da fonte o mais cedo possível, após a ressuscitação inicial (1C);
* Escolha a medida com a maior eficácia e o menor insulto fisiológico, a menor intensidade de trauma (1D);

Recomendações fracas

* Exceção em relação à intervenção precoce: necrose pancreáica infectada, situação em que seria melhor retardar a intervenção cirúrgica (2B);
Terapia venosa com fluidos

Recomendações fortes

* A ressuscitação volêmica deve ser feita com cristalóides ou colóides (1B);
* Meta de PVC maior ou igual a 8 mmHg (maior ou igual a 12 mmHg, se em ventilação mecânica) (1C);
* Utilize a técnica de "fluid challenge" ou "prova de volume" (infusão rápida de fluidos com reavaliação precoce do estado hemodinâmico), enquanto esta esteja promovendo nítida melhora hemodinâmica (1D);
* Forneça 1.000 mL de cristalóides ou 300-500 mL de colóides durante 30 minutos. Volumes maiores e/ou em infusão mais rápida podem ser necessários em estados de hipoperfusão tecidual associados à sepse (1D);
* A taxa de infusão dos líquidos deve ser diminuída caso haja evidência de aumento das pressões de enchimento cardíacas sem melhora hemodinâmica associada (1D);
Vasopressores

Recomendações fortes

* Mantenha a PAM acima de 65 mmHg (1C);
* Norepinefrina ou dopamina infundidas em acesso venoso central são os agentes vasopressores de primeira escolha (1C);
* Epinefrina, fenilefrina ou vasopressina não devem ser administrados como o vasopressor inicial no choque séptico (2C);
    - Vasopressina 0,03 U/min pode ser adicionada à norepinefrina, com antecipação de um efeito semelhante à norepinefrina isolada;
* Não se usa dopamina em baixas doses como protetor renal (1A);
* Em pacientes que necessitam de vasopressores, insira monitorização da PA com cateterização arterial assim que for possível e factível (1D);

Recomendações fracas

* Use epinefrina como o agente alternativo de primeira escolha no choque séptico se a PA for pouco responsiva a norepinefrina ou dopamina (2B);


Terapia inotrópica


Recomendações fortes


* Use dobutamina em pacientes com disfunção miocárdica, com evidências de aumento das pressões de enchimento ventriculares ou de baixo débito cardíaco (1C);
* Não tente aumentar o índice cardíaco a níveis supranormais pré-determinados (1B);

Corticoesteróides

Recomendações fortes

* A dose de hidrocortisona deve ser menor ou igual a 300 mg/dia (1A);
* Não use corticoesteróides para tratamento da sepse na ausência de choque, ao menos que haja história endocrinológica prévia ou de uso anterior do fármaco (1D);

Recomendações fracas

* Considere o uso de hidrocortisona IV no choque séptico do adulto, quando houver hipotensão refratária a ressuscitação volêmica adequada e uso de vasopressores (2C);
* Teste de estímulo com ACTH não é recomendado para identificação do subgrupo de pacientes com choque séptico que se beneficiaria do uso de hidrocortisona (2B);
* Hidrocortisona é preferida em relação à dexametasona (2B);
* Fludrocortisona (50 mcg VO 1x/dia) pode se incluída, se estiver sendo utilizado um substituto da hidrocortisona sem atividade mineralocorticóide significativa. Seu uso é opcional se a hidrocortisona estiver em uso (2C);
* Deve ser feito o desmame da terapia com esteróides caso não seja mais necessário o uso de vasopressores (2D);
Proteína C ativada recombinante humana (rhAPC ou drotrecogin-alfa)

Recomendação forte

* Pacientes adultos com sepse grave e baixo risco de morte (ex.: APACHE II menor que 20 ou somente uma disfunção orgânica) não devem receber a rhAPC (1A);
Recomendação fraca

* Considerar o uso de rhAPC em pacientes adultos com disfunção orgânica induzida por sepse com avaliação clínica indicando alto risco de morte (tipicamente com APACHE II maior ou igual a 25 ou falência de múltiplos orgãos), se não houver contra-indicações (2B; 2C para pacientes em pós-operatório)
Hemoterapia

Recomendação forte

* Forneça concentrado de hemácias caso a hemoglobina caia a um valor menor que 7,0 g/dL, com a meta de manter a Hb entre 7,0 e 9,0 g/dL em adultos (1B). Uma hemoglobina mais alta pode ser requerida em situações especiais (ex: isquemia miocárdica, hipoxemia grave, hemorragia aguda, cardiopatia cianogênica  ou acidose lática);
* Não use eritopoetina (EPO) para tratar a anemia relacionada à sepse. O seu uso é aceito em outras situações clássicas (1B);
* Não use terapia anti-trombótica (1B);
Recomendação fraca

* Não use plasma fresco congelado para corrigir alterações laboratoriais da coagulação, ao menos que haja sangramento ativo ou algum procedimento invasivo seja previsto (2D);
* Administrar plaquetas se (2D):
    - contagem menor que 5.000, independentemente de sangramento;
    - contagem entre 5.000 e 30.000, e risco significativo de sangramento;
    - contagens maiores que 50.000 são tipicamente necessárias antes de procedimentos cirúrgicos ou invasivos;
Ventilação mecânica na lesão pulmonar aguda ou síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) induzida por sepse

Recomendações fortes

* Meta de volume corrente de 6 mL/kg (de peso corporal predito) em pacientes com LPA/SDRA (1B);
* Pressão de platô limite inicial menor ou igual a 30 cmH2O. Avaliar a complacência da parede torácica quando estiver avaliando a pressão de platô (1C);
* A hipercapnia permissiva é uma estratégia permitida, se necessária para diminuir as pressões de platô ou o volume corrente (1C);
* A PEEP (pressão positiva no fim da expiração) deve ser ajustada para evitar colapso de um porção significativa dos alvéolos no fim da expiração (1C);
* Os pacientes em VM devem ser mantidos na posição semi-recumbente, ao menos que seja contra-indicado (1B), com elevação sugerida entre 30 e 40 graus (2C);
* Utilize protocolo de desmame da VM com testes de respiração espontânea regulares, para avaliar a potencial interrupção da ventilação mecânica (1A);
   - Opções ao teste da respiração espontânea: baixo nível de pressão de suporte associado a pressão positiva contínua em vias aéreas (CPAP) de 5 cmH2O ou tubo T;
  - Antes do teste de respiração espontânea, o paciente deve ser: (1) capaz de ser acordado, (2) estável hemodinamicamente sem vasopressores, (3) sem novas condições potencialmente graves, (4) requerer baixas pressões ventilatórias ou PEEP, (5) precisar de níveis de FiO2 que sejam facilmente disponível por máscara facial ou cânula nasal;
* Não usar cateterização da artéria pulmonar como monitorização rotineira na LPA/SDRA (1A);
* Utilizar estratégia conservadora de reposição volêmica nos pacientes com LPA definida sem evidência de hipoperfusão tecidual (1C);
    
Recomendação fraca

* Ventilação não-invasiva deve ser considerada em uma minoria de pacientes com LPA/SDRA, com insuficiência respiratória leve/moderada. Os pacientes devem estar com hemodinâmica estável, confortávies, facilmente "acordáveis", capazes plenamente de proteger as vias aéreas e com expectativa de rápida recuperação (2B);

Sedação, analgesia e bloqueio neuromuscular na sepse

Recomendações fortes
* Utilize protocolos de sedação com metas para pacientes criticamente doentes em ventilação mecânica (1B);
* Use sedação em bolus intermitente ou em infusão contínua até desfecho pré-determinados (escalas de sedação), com interrupção diária ou diminuição da dose suficiente para acordar periodicamente os pacientes. Re-titule as doses, se necessário (1B);
* Sempre que possível, evite os bloqueadores neuromusculares. Monitore a profundidade do bloqueio com métodos de estímulo neuromuscular apropriados, quando em uso de infusão contínua (1B);
Controle glicêmico
Recomendações fortes

* Utilize insulina EV para controlar a glicemia em pacientes com sepse grave, após estabilização, na UTI (1B);
* Forneça uma fonte glicêmica calórica e monitore os valores de glicemia séria a cada 1-2 horas (a cada 4 horas, se estável), em pacientes sob insulina venosa (1C);
* Interprete com cuidado baixa glicemias capilares encontradas, pois esta técnica pode superestimar os valores de glicemia arterial ou venosa (1B);

Recomendações fracas

* Meta de glicemia sérica abaixo de 150 mg/dL, usando protocolo validado de ajuste de dose de insulina (2C);

Terapia de substituição renal

Recomendações fracas

* Hemodiálise intermitente e hemofiltração venovenosa contínua (HVVC) são consideradas equivalentes (2B);
* HVVC favorece o manejo em pacientes com instabilidade hemodinâmica (2D);
Terapia com Bicarbonato
Recomendação forte
* Não use o bicarbonato com a intenção de melhorar a hemodinâmica ou reduzir a necessidade de vasopressoes, ao tratar a acidose láctica induzida por hipoperfusão, se o pH é maior ou igual a 7,15 (1B);
Profilaxia de trombose venosa profunda (TVP)
Recomendações fortes
* Utilize baixas doses de heparina não fracionada ou heparina de baixo peso molecular, ao menos que haja contra-indicações (1A);
* Utilize dispositivos mecânicos para profilaxia, como meias elásticas ou equipamento de compressão intermitente, quando a heparina for contra-indicada (1A);
Recomendações fracas

* Use uma combinação de ferramentas mecânicas e farmacológicas em pacientes com risco muito alto de TVP (2C);
* Em pacientes com alto risco de TVP, prefira o uso da heparina de baixo peso molecular, em detrimento da não fracionada (2C);
Profilaxia de úlceras de estresse
Recomendação forte
* Utilize bloqueadores H2 (1A) ou inibidores de bomba de próton (1B). Os benefícios da prevenção da hemorragia digestiva alta devem ser equilibrados com o potencial de desenvolver pneumonia associada à ventilação mecânica;
Considerações sobre a limitação do suporte
Recomendação forte

* Discuta o planejamento dos cuidados avançados com os pacientes e as famílias. Descreva o prognóstico mais provável e forneça expectativas realísticas (1D);


Tradução de Pedro Brandão do resumo feito por Dr. Jeremy Wilson e Prof. Julian Bion, que pode ser acessado na íntegra clicando aqui.